Diante da complexidade do momento atual, onde uma questão de saúde pública contagia todos os alicerces econômicos e sociais do planeta, em maior ou menor escala, considerar o pensamento divergente como estratégia de formulação de soluções convergentes pode ser um bom caminho. Neste sentido, trazemos novas reflexões de especialistas e pensadores a respeito dos impactos da Covid 19 com foco nos aspectos econômicos e também sob a perspectiva do varejo. Abaixo, as ideias de Ricardo Amorim, Robert Shiller, Carmen Reinhart, Eswar Prasad, Adam Tooze e Marcos Gouvêa.
Brasil, um país em transformação
Para Ricardo Amorim, considerado o economista mais influente do país, a crise causada pelo coronavírus acelerou tendências tecnológicas, modificou hábitos de consumo e está exigindo dos governos ações emergenciais para que o impacto negativo sobre a sociedade – pessoas físicas e pessoas jurídicas – seja o menor possível. Uma das consequências importantes será o fortalecimento das fintechs, startups do setor financeiro que devem trazer mais agilidade, flexibilidade e personalização ao sistema bancário.
Ricardo lança um olhar especial para o Brasil, onde ele prevê a repetição do que acontece no resto do muno, com aumento do endividamento estatal, principalmente para gastos relacionados ao combate da pandemia (estrutura do sistema de saúde), apoio da parcela da população mais vulnerável e suporte ao setor produtivo, especialmente às MPEs, responsáveis por grande parte dos empregos formais do país. O resultado desses movimentos terá reflexos na inflação no aumento da carga tributária.
Para o setor de comércio e serviços, Ricardo Amorim prevê uma lenta recuperação, sendo que o cenário será bastante diferente, com ruptura dos modelos de negócio que fizeram sucesso nos últimos anos e surgimento de novas formas de relacionamento das empresas com os consumidores. “A palavra-chave será “conveniência” e isso deverá ser o novo mantra dos negócios”, diz.
Outro ponto será o papel do associativismo na reconstrução do varejo. Segundo Amorim, somente por meio das ações coletivas é que o setor terá condições de se organizar para ser protagonista na elaboração de políticas públicas, na melhoria do ambiente de negócios e na adaptação do setor aos novos hábitos dos consumidores.
Um olhar otimista
Outro economista, o norte-americano laureado com o Nobel de Economia (2013), Robert Shiller, faz reflexões sobre a pandemia da Covid 19 baseadas em analogia aos tempos de guerra. Com narrativas de sofrimento e heroísmo, Shiller entende que uma atmosfera de guerra está se espalhando pelo mundo na mesma velocidade do coronavírus, mas ele tem um olhar otimista sobre os resultados desse fenômeno. “Um efeito a longo prazo dessa experiência pode ser instituições econômicas e políticas mais redistributivas: dos ricos aos pobres, e com maior preocupação pelos marginalizados sociais e idosos”. Será?!
Shiller considera que os pagamentos de emergência que muitos governos fizeram talvez indiquem um caminho viável para uma renda básica universal. No caso do Brasil, o governo estima que quase R$ 800 bilhões estão sendo injetados na economia por meio das diversas medidas de apoio que estão sendo implementadas. Nos Estados Unidos, percebe-se claramente que é preciso discutir a existência de um sistema de saúde universal. Para ele, como todos estamos do mesmo lado nesta guerra, podemos encontrar a motivação para construir novas instituições internacionais, permitindo melhor eficiência na partilha de riscos e de benefícios entre os países. A atmosfera de guerra desaparecerá novamente, mas essas novas instituições persistirão.
Crise da globalização
Para a norte-americana Carmen Reinhart, professora de Harvard e uma das mais respeitadas economistas do mundo, o moderno ciclo de globalização enfrentou uma série de golpes desde a crise financeira de 2008: crise da dívida europeia, Brexit e a guerra comercial EUA-China. A ascensão do populismo em muitos países trouxe as políticas protecionista de volta ao debate. Com a pandemia da Covid 19, o terreno ficará ainda mais fértil para a restrição do comércio e dos fluxos de capital, ou seja, entraves para uma rápida recuperação global.
Reinhart se mostra preocupada com questões que devem sofrer muita mudança, como as cadeias globais de suprimentos, os controles sanitários e a segurança das viagens internacionais, cujo futuro ainda se mostra incerto. Na sua opinião, “a arquitetura financeira pós-coronavírus não deve nos levar de volta à era pré-globalização de Bretton Woods, mas é provável que os danos ao comércio e às finanças internacionais sejam extensos e duradouros”.
Desarticulação e ruptura
Eswar Prasad, renomado economista indiano, ex-diretor da divisão de estudos financeiros do Fundo Monetário Internacional, entende que a falta de uma reação coordenada dos governos evidencia uma perigosa ruptura na cooperação internacional e será responsável por uma recuperação econômica mundial lenta. Para ele, a desarticulação das maiores economias frente à crise de saúde e econômica, abala os índices de confiança, seja de investidores, seja de consumidores.
Por outro lado, a atuação dos bancos centrais de importantes países, na avaliação de Prasad, tem sido um alento em meio à essa crise. Agilidade, ousadia e criatividade são algumas das palavras usadas para caracterizar a política monetária que tem sido implementada como forma de garantir estímulos monetários e fiscais tão necessários para evitar um colapso econômico global. A independência política dessas instituições nunca foi tão importante, ainda mais agora que os bancos centrais se apresentam mais uma vez como principal linha de frente contra crises econômicas e financeiras.
Retração econômica
Adam Tooze, historiador britânico e diretor do Instituto Europeu na Universidade de Columbia, considera que nosso conhecimento sobre economia e finanças foi, mais uma vez, radicalmente perturbado pela pandemia da Covid 19. Desde 2008, ano da última grande crise global, houve muita discussão sobre a necessidade de contar com o risco de movimentos econômicos intensos, mas nossa imaginação não conseguiu prever algo tão radical como o que estamos vivendo.
Para Tooze, “estamos testemunhando o maior esforço fiscal combinado desde a Segunda Guerra Mundial, mas já está claro que a primeira rodada de medidas pode não ser suficiente. Existem poucas ilusões sobre as acrobacias sem precedentes que os bancos centrais estão realizando. Para lidar com os passivos acumulados, a história sugere algumas alternativas radicais, incluindo uma explosão da inflação ou um padrão público organizado (que não seria tão drástico quanto parece se afetasse as dívidas do governo mantidas pelos bancos centrais)”. A solução está mesmo no passado ou o momento exige inovação nas estratégias macroeconômicas?
Tooze afirma que, infelizmente, o que se espera do poder público é uma onda de austeridade diante das dívidas acumuladas, e das empresas e famílias, que terão aversão ao risco nos investimentos o que provocará fuga de capitais para ambientes mais “seguros” (dólar). O resultado dessa combinação, para ele, é fácil de se prever: um longo período de retração econômica sem diminuição de desigualdades.
União
Marcos Gouvêa de Souza, fundador do grupo GS& e um dos maiores especialistas em varejo do país, entende que o empresário brasileiro possui todas as características necessárias para a reconstrução da economia quando o impacto da Covid 19 passar. As turbulências políticas e econômicas que ocorrem no Brasil há décadas ajudou a formar uma cultura empreendedora com muita resiliência, adaptabilidade e comprometimento, que se reflete nos principais executivos do varejo nacional e que sintetiza os atributos necessários para estabelecer um novo ambiente de negócios.
Em termos de ações governamentais para amenizar os impactos econômicos da pandemia, Marcos Gouvêa afirma que é o momento do Estado reduzir a burocracia e oferecer soluções para que micro e pequenas empresas tenham acesso ao crédito de forma simples e barata. Somente desta maneira será possível salvar empresas e empregos no curto prazo, e permitirá a recuperação de negócios e estruturas produtivas quando o pico da pandemia passar.
Outro aspecto destacado pelo especialista é a importância da união dos varejistas na busca de maior protagonismo junto ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo, movimento essencial para a construção de políticas públicas que atendam às necessidades do setor. Segundo o especialista, isso não significa lutar por privilégios ou benesses, mas sim oferecer condições adequadas a um setor que gera a maior parte dos empregos e que representa uma parcela elevada do PIB brasileiro. Para Marcos Gouvêa o associativismo empresarial deve ser fortalecido por meio de entidades sérias e atuantes, que estimulem a integração, a troca de experiências e a construção de estratégias unificadas para a legítima defesa de seus interesses.
Daniel Sakamoto, Gerente de Projetos da CNDL
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